Cresce número de empresas brasileiras se instalando no Paraguai
4 de janeiro de 2017Enquanto o desemprego no Brasil se aproxima de 12% em meio a dois anos seguidos de encolhimento da economia, há indústrias brasileiras abrindo novas fábricas e criando milhares de novos empregos diretos. Esses investimentos, no entanto, são realizados no Paraguai, país que quer aproveitar a proximidade com o Brasil para ser uma plataforma de produção barata e livre de burocracia para o abastecimento do mercado de consumo brasileiro.
A estratégia de atrair investimentos e empregos ao abrir mão da cobrança de impostos tem dado resultado. A lei da maquila, que garante o pagamento de apenas 1% de tributo às companhias que abrirem fábricas no Paraguai e exportarem 100% da produção, existe desde 1997. Outras vantagens incluem gastos menores com mão de obra e energia elétrica. O salto quantitativo desse programa, porém, se deu nos últimos três anos – justamente quando a economia brasileira começou a andar para trás.
Empresas pensam em exportar para outros países para fugir da crise brasileira
Embora o total de empregos gerado pelas “maquiladoras” ainda seja pequeno em comparação ao tamanho da economia brasileira, o ritmo de migração de investimentos do Brasil para o Paraguai está em aceleração. Das 124 indústrias incluídas no programa de maquilas, 78 abriram as portas desde 2014. Dos 11,3 mil empregos gerados pelo programa, 6,7 mil são fruto dos investimentos dos últimos três anos. E existem mais projetos de expansão que devem gerar milhares de vagas em 2017.
Interesse
O Foro Brasil-Paraguai, sediado em Assunção e dedicado exclusivamente a apresentar as oportunidades do país a brasileiros, recebe dezenas de consultas por semana. A entidade calcula que dois terços dos investimentos no Paraguai nos últimos anos sejam de empresas de capital brasileiro. Mas o País também tem um forte peso no terço restante: as montadoras estrangeiras começaram a produzir peças em solo paraguaio para abastecer as montadoras instaladas no Brasil.
A transformação do Paraguai em uma “China da América do Sul” é um projeto do presidente Horacio Cartes, no poder há três anos. A prioridade de Cartes – que também é um dos empresários paraguaios mais ricos – é gerar empregos para a mão de obra paraguaia. Mais de 70% da população de 6,8 milhões de habitantes tem menos de 30 anos e boa parte ainda atua na informalidade.
A estratégia é elogiada pelo setor produtivo. Cartes, porém, enfrenta críticas por ter abandonado programas sociais, em especial no interior. Uma recente pesquisa põe o índice de popularidade do presidente em 23%, um dos mais baixos da América Latina. Além disso, o socialista Fernando Lugo, deposto em 2012, é um nome que ganha força para as eleições de 2018.
O discurso do governo paraguaio é que o programa de maquilas visa construir uma parceria com o Brasil. “A ideia é que nós venhamos a substituir os produtos que as empresas brasileiras hoje trazem da China”, diz o ministro da Indústria e Comércio do país, Gustavo Leite. Porém, segundo o vice-presidente do Foro Brasil-Paraguai, Junio Dantas, é impossível saber se o investimento no Paraguai substituirá empregos no Brasil ou na China. “É uma decisão do empresário.”
Aceleração
Entre as empresas que estão usando o Paraguai para substituir importações chinesas está a Riachuelo. Foi a rede brasileira que viabilizou a Texcin, indústria montada pelo paraguaio Andrés Gwynn. Hoje, a fábrica emprega 400 pessoas e produz 300 mil peças ao mês. Mas o contrato de dez anos com a Riachuelo prevê que, dentro de um ano e meio, a produção seja elevada a 1 milhão de unidades. Com isso, os funcionários chegarão a 1,5 mil.
Gwynn conta que teve a ideia de atrair a Riachuelo ao Paraguai ao ver a foto do presidente da empresa, Flávio Rocha, em uma banca de revista no Aeroporto de Guarulhos. O empresário ligou para a secretária de Rocha e, após alguns dias de insistência, conseguiu uma reunião de cinco minutos para apresentar as vantagens do Paraguai. “Acabamos conversando o dia todo”, lembra Gwynn.
Indústrias que enfrentam forte concorrência de produtos baratos vindos da Ásia – como materiais plásticos, brinquedos e confecções – estão entre as mais propensas a aproveitar as vantagens da lei das maquilas. Uma das pioneiras do movimento foi a X-Plast, que fechou a unidade no interior de São Paulo e se instalou há três anos em Ciudad del Este, a 4 km da fronteira com Foz do Iguaçu. Procurada, a empresa não respondeu aos pedidos de entrevista.
As marcas brasileiras Bracol e Fujiwara, de sapatos para trabalhadores industriais, decidiram aproveitar as vantagens de custo do Paraguai em 2014. Elas são sócias de Andrés Gwynn na Marseg. A empresa chegou a ter 1,5 mil empregados. Com a crise no Brasil, que afetou em cheio a indústria, cortando mais de 30 mil empregos apenas em montadoras, a Marseg reduziu os funcionários para 800.
Autopeças
As companhias internacionais de autopeças também estão migrando para o Paraguai. O sócio da Riachuelo no país, que também atua como cicerone para empresários estrangeiros, já ajudou a trazer seis fornecedoras de montadoras para o Paraguai. Entre essas companhias está a alemã Leoni, que produz chicotes elétricos.
O gerente da unidade da Leoni no Paraguai é o brasileiro Fábio Lopes da Silva. Ele conta que a maior parte da produção vai para montadoras instaladas no Brasil, onde a empresa mantém uma planta em Itu (SP), com 500 funcionários. Embora não haja planos para desativar a fábrica no Brasil, Silva diz que, com o tempo, a planta paraguaia se tornará mais importante. “Hoje, empregamos aqui 300 pessoas, mas o projeto é ampliar para mil colaboradores.”
Empresas pensam em exportar para outros países para fugir da crise brasileira
A fábrica da Matrixx, confecção montada pelo brasileiro André Nastas nos arredores da capital paraguaia, chegou a ter 180 funcionários – uma época de bons lucros para o empresário, que foi um dos pioneiros a apostar nas vantagens de se produzir no Paraguai. Nastas, que também trabalha com o setor têxtil no Brasil, produz no país sobretudo marcas de surfwear, como Oakley, Quicksilver e Redley.
No entanto, com o agravamento da crise no Brasil e a queda nas vendas de confecções, o cenário da Matrixx, em Assunção, também começou a mudar. Hoje, a maior parte das máquinas de costura está sem uso. As encomendas rarearam e somente cerca de 40 funcionários ainda atuam na empresa. Ao jornal O Estado de S. Paulo, Nastas afirmou que está buscando formas de diversificar suas atividades no Paraguai.
Como já tem uma companhia constituída, o empresário quer usar a Matrixx para ajudar empreendedores brasileiros de diversos ramos a montar negócios no Paraguai. A ideia, segundo ele, é criar parcerias com os novos sócios. Nastas diz que os novos entrantes teriam a vantagem de atuar ao lado de alguém que já conhece todos os meandros da burocracia do país.
Exportação
Embora até agora a Matrixx tenha trabalhado exclusivamente com fornecimento de mercadorias para o Brasil, a ideia do empresário é aproveitar as vantagens que o Paraguai recebe por ser uma nação de renda per capita mais baixa – cerca de US$ 4 mil, contra US$ 8,5 mil do Brasil, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Produtos feitos no Paraguai têm entrada facilitada na União Europeia, por exemplo.
A crise no Brasil ajudou o sistema de maquilas a se desenvolver até aqui, mas será insuficiente para fazer o projeto crescer muito mais. A fábrica de sapatos Marseg, que já tem um projeto de expansão para outros países da América Latina, acabou de contratar um novo executivo brasileiro com o objetivo de ganhar novos mercados.
Ainda que tenha o desafio de ampliar as exportações, Nastas, da Matrixx, elogia as regras do Paraguai. Segundo ele, o investidor não é punido nem ao crescer nem quando necessita reduzir sua produção – já que, ao dispensar trabalhadores, não precisa pagar indenizações. Desta forma, diz ele, fica mais fácil uma empresa se adaptar às flutuações de demanda e conseguir permanecer no mercado.
Custos
A economia gerada pela produção no Paraguai, em relação aos valores no Brasil, pode variar bastante de acordo com a fonte consultada. Segundo o Foro Brasil-Paraguai, que se dedica a atrair empresas para o país vizinho, produzir em Ciudad del Este ou em Assunção pode reduzir o custo de um produto em 40%. Nessa conta entram as economias com impostos, mão de obra e energia elétrica.
Outras fontes, porém, apresentam dados diferentes. Segundo o gerente da planta da alemã Leoni, Fábio Lopes da Silva, a economia com a produção no Paraguai é maior nos casos em que as peças são distribuídas para montadoras do Sul e do Sudeste – entre os clientes da empresa estão a Renault e a CNH, do grupo Fiat, ambas na região metropolitana de Curitiba.
A redução de custo, dependendo do item, pode variar de 8% a 20% do custo total – o executivo pondera que, mesmo assim, trata-se de um número relevante. Por causa dos custos de logística do Paraguai, que também são elevados, ele diz que o fornecimento a fábricas que ficam no Nordeste brasileiro, por exemplo, fica inviabilizado. Nesses casos, diz ele, vale mais a pena produzir no Brasil.
(Fonte – Gazeta do Povo / Imagem – Estadão)